"O CORO"
O que existe num velho é sobretudo cansaço (bem mais que sabedoria) e o que existe num produto da inovação é sobretudo o destino aleatório do seu uso: para não ter de escutar o ruído do mundo produtivo, o ancião de “O coro” abdica temporariamente dos benefícios que a tecnologia trouxera à sua surdez. Ora, entre o mundo antigo e o mundo moderno, entre o silêncio e o chinfrim, a voz da infância continua a não ser ouvida. A criança tem então de se fazer valer da sua única força, que é a água mole da insistência. Não só repetindo sem cessar as suas razões, mas tornando-as também corais, coletivas.
Esta curta-metragem foi realizada por Abbas Kiarostami no âmbito do seu trabalho numa instituição dedicada ao desenvolvimento intelectual de crianças e jovens adultos. Parece certo que o grande autor iraniano ficou irremediavelmente marcado por essa experiência, pela tensão serena mas incerta que sempre se estabelece entre a suposta autoridade de um pedagogo e a energia inesperada do ponto de vista infantil. No seu percurso subsequente, o espetador tenderá sobretudo a recordar a maneira como a argumentação pueril de certos personagens adultos reconduz as questões abordadas pelos filmes àquele tipo de evidência que só poderia ser produzida pelo espanto filosófico originário. É o caso do falso cineasta de “Close-up”, mas também daquele intérprete circunstancial que, em “Através das oliveiras”, quase consegue reinventar a noção de casamento.
Conhecedor profundo do arsenal de gestos de vanguarda que o precederam, Kiarostami substitui as tonalidades mais ásperas a que eles foram miticamente associados (provocação, experimentalismo, militância) pela frescura da Voz quando esta ainda é branca. Note-se como, em “O coro”, a dissociação entre a dimensão visual e a dimensão sonora do cinema se resume ao gosto ou desgosto imediato que elas podem provocar num destinatário infantil (ou infantilizado): se o excesso ao nível da imagem (cores intensificadas, halos de luz) dá ao filme o ar prazeroso de um objeto ingenuamente pintado, a desmesura ruidosa revela-se tão insuportável que engendra a nostalgia por um cinema (quase) mudo.
Note-se como, estando a curta-metragem semanticamente organizada em torno do conceito de coralidade, é difícil não associar este grupo de crianças aos berros, acompanhadas pelo barulho de uma máquina perfuradora, à prática revolucionária da chamada música concreta. No entanto, mesmo neste caso Kiarostami insinua que, se Música alguma existe nesta parábola tão breve quanto cabal, ela resulta sobretudo da moralidade singela daquilo que é cantado.
Um festim para os sentidos e para a esperança.
Esta curta-metragem foi realizada por Abbas Kiarostami no âmbito do seu trabalho numa instituição dedicada ao desenvolvimento intelectual de crianças e jovens adultos. Parece certo que o grande autor iraniano ficou irremediavelmente marcado por essa experiência, pela tensão serena mas incerta que sempre se estabelece entre a suposta autoridade de um pedagogo e a energia inesperada do ponto de vista infantil. No seu percurso subsequente, o espetador tenderá sobretudo a recordar a maneira como a argumentação pueril de certos personagens adultos reconduz as questões abordadas pelos filmes àquele tipo de evidência que só poderia ser produzida pelo espanto filosófico originário. É o caso do falso cineasta de “Close-up”, mas também daquele intérprete circunstancial que, em “Através das oliveiras”, quase consegue reinventar a noção de casamento.
Conhecedor profundo do arsenal de gestos de vanguarda que o precederam, Kiarostami substitui as tonalidades mais ásperas a que eles foram miticamente associados (provocação, experimentalismo, militância) pela frescura da Voz quando esta ainda é branca. Note-se como, em “O coro”, a dissociação entre a dimensão visual e a dimensão sonora do cinema se resume ao gosto ou desgosto imediato que elas podem provocar num destinatário infantil (ou infantilizado): se o excesso ao nível da imagem (cores intensificadas, halos de luz) dá ao filme o ar prazeroso de um objeto ingenuamente pintado, a desmesura ruidosa revela-se tão insuportável que engendra a nostalgia por um cinema (quase) mudo.
Note-se como, estando a curta-metragem semanticamente organizada em torno do conceito de coralidade, é difícil não associar este grupo de crianças aos berros, acompanhadas pelo barulho de uma máquina perfuradora, à prática revolucionária da chamada música concreta. No entanto, mesmo neste caso Kiarostami insinua que, se Música alguma existe nesta parábola tão breve quanto cabal, ela resulta sobretudo da moralidade singela daquilo que é cantado.
Um festim para os sentidos e para a esperança.
Título original: "Hamsarayan"
Data de estreia: 1982
Data de estreia: 1982
Realização: Abbas Kiarostami (1940-2016)
Comentários
Enviar um comentário