"ONE WEEK"

Em “One week”, curta-metragem com que Buster Keaton chegou pela primeira vez ao público enquanto autor, assistimos ao inelutável transtorno que um ciclone provoca no lar que Pamplinas tentou ternamente construir para si e para a sua recém-esposa. No entanto, quando, durante a fase da construção, uma fachada dessa casa caíra sobre o jovem empreendedor, e ele pemanecera ileso pelo triz da posição do seu corpo no percurso cadente de uma janela, tínhamos ficado já a perceber que a graça dos palhaços do cinema mudo andava de mãos dadas com a graça da salvação. Se eles nada podiam contra o mal, afinal também nada podiam contra o bem. Será esse o sentido do duplo gag que remata o filme, porventura um dos momentos mais perfeitos da história da comédia, cujo prazer da descoberta não será desmanchado por este texto.
Graças a Deus, Keaton não especula sobre as causas, maiúsculas ou minúsculas, destes acasos que se revelam fatais. Assistimos antes ao esforço genuíno do seu palhaço para imitar o modo de vida normativo, o modo de vida daqueles que se comportam como se soubessem controlar o essencial do seu destino.
Sim, Pamplinas tenta construir uma espécie de moradia pré-fabricada que lhe caiu de um tio qualquer aos trambolhões. Mas sai-lhe uma geringonça pela culatra. Ou, melhor dizendo, sai-lhe um desenho infantil, desses que se fazem quando à evidência vivida de um objeto corresponde a incapacidade de o compreender convencionalmente. O palhaço pode não achar muita piada às peripécias que tanto frustram a sua socilitude quanto a sua imperícia, mas é precisamente essa puerilidade que leva o espetador a aperceber-se do nomadismo latente na noção de lar.
A casa torna-se balancé, torna-se carrossel, tenta ser caravana, rende-se ao comboio… Em filmes futuros, há de ser mesmo descaradamente substituída por meios de transporte. De qualquer modo, “O barco” da curta-metragem do ano seguinte acabará por naufragar. E, quando a família se interroga sobre qual é a terra firme que por sorte a acolheu, Pamplinas só consegue responder: “Damned if I know!” (“Raios me partam se eu souber!”). Ora, como já foi muitas vezes referido, “Damfino” era precisamente o nome do barco em que o devir da casa por alguns instantes assentara.
Não há repouso para as coisas que se querem pousadas. O mundo é demasiado absurdo. Se um casal quiser sobreviver enquanto casal, terá de abandonar as intruções sobre como fazê-lo. Descobrir isso ao fim de uma semana de vida em comum talvez seja uma imensa sorte e merece certamente o nome de bodas de Pamplinas. Que nos perdoem as pratas, os ouros e as platinas.



Data de estreia: 1920
Realização: Edward F. Cline & Buster Keaton (1895-1966)
Interpretação: Buster Keaton, Sybil Seely

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