"SEVEN CHANCES"

Quando, em “Steamboat Bill, Jr.” (1928), Buster Keaton regressar ao arquétipo Romeu-e-Julieta, o critério que usará para separar os amantes será o da diferença de estatuto social… Variação de pura lucidez que remata os trabalhos por que, ao longo de toda a obra, o seu palhaço passara para sedimentar o desejo de casar com mais casa do que cabana. É, contudo, em “Seven chances”, filme em grande medida desprezado pelo próprio autor, que é articulado um discurso razoavelmente complexo sobre a diferença entre o significado social e o significado pessoal do matrimónio.
A situação que desencadeia a comédia (os pedidos de casamento sem qualquer aproximação afetiva ou conhecimento prévios) só parece absurda porque o espetador já se terá esquecido de que a história da conjugalidade é sobretudo uma história negocial. Ora, a partir do momento em que Pamplinas (aqui chamado James Shannon) se torna um excelente partido financeiro, ele passa de “não ter noiva nenhuma” a “ter noivas em manifesto excesso”: forma simples de revelar sem rodeios o cinismo latente numa das mais prezadas instituições da humanidade.
Anjo que frequentemente liberta as forças mais perversas, Pamplinas torna-se então uma figura na paisagem fugindo de uma hipérbole visual. A retórica do filme é notável: para além de hiperbólicas, as mulheres são também metafóricas (abelhas, pedregulhos) e paródicas, tanto no que se refere à suposta fragilidade do seu género, como face à noção exaltada de amor enquanto revolução do mundo (elas vencem um jogo de rugby, fazem a colheita de um campo agrícola, etc.). Não se trata, contudo, de um filme misógino. Muito pelo contrário.
Se muitas vezes a comédia discute o peso que cada elemento de um par tem para a sua cara-metade através do fantasma dos outros que poderiam ocupar os seus lugares (pense-se em “Vidas íntimas” do dramaturgo Noël Coward ou em “Um dia de chuva em Nova Iorque” de Woody Allen), Buster Keaton não faz a coisa por menos e preenche o prato rival da balança com todas as mulheres do mundo. Ele parte de um texto prévio, é certo, mas usa todo o poder de demonstração do humor físico para tornar palpável o atletismo psicológico implicado na transição entre a mulher possível e a mulher absolutamente necessária. Sublinhe-se que não se trata de um corpo verbal, como o que impecavelmente sua nos filmes de Éric Rohmer. Na verdade, poucas vezes terá um ecrã mostrado um físico a correr com tanta velocidade e tão magnetizado por um desejado ponto de chegada.
De nada lhe serve a multiplicação de relógios na loja onde ele vai perguntar as horas – a resposta é-lhe dada no inegociável singular de um acaso. Pamplinas corre contra o tempo para poder chegar à eternidade de uma relação. E corre contra os equívocos da cultura para se poder encontrar com a verdade de si mesmo.


Data de estreia: 1925
Realização: Buster Keaton (1895-1966)
Interpretação: Buster Keaton, Ruth Dwyer, T. Roy Barnes, Snitz Edwards

Comentários

Mensagens populares